12 março 2009

O Divórcio



(sugestão de António)

A questão do divórcio é, sinceramente, um tema que não me deixa muito confortável, por dois motivos principais: o primeiro é que eu próprio, como futuro padre, estou a referir-me a um assunto do qual não tenho experiência pessoal, a não ser através de casos com quem contacto ou de histórias que vou ouvindo. O segundo motivo é que, ao falar deste tema, corre-se o risco de generalizar e não ter a noção de que cada caso é único, e requer uma apreciação particular. Se certos casos de divórcio podem ser caracterizados por alguma "ligeireza", acredito que a esmagadora maioria envolve situações de muito sofrimento e desilusão: um sonho em comum que não está a ser possivel realizar, e as quais respeito profundamente.


Por isso, procurarei fazer uma reflexão sobre o que poderá ser mais essencial, para estar atento e cada um poder tirar também as próprias conclusões.


O casamento, ao menos na nossa cultura ocidental, mesmo para a Igreja, tem um elemento de visibilidade social. É uma instituição social, pois, perante uma sociedade, duas pessoas realizam um compromisso (ou contrato) de viver em comum, criar família, partilhar os bens, etc., e esse compromisso tem os seus direitos e as suas obrigações, que os vários códigos civis ou religiosos prevêm. Há porém, o elemento mais interior desta união, que é o facto de duas pessoas se amarem e desejarem viver a sua vida em comum uma com a outra. Não há lei que possa aferir a qualidade ou a quantidade deste amor, simplesmente se toma como pressuposto, ao menos razoavelmente. Sobretudo agora, que já passou o tempo dos casamentos por conveniência ou desejo dos pais.


Estou a dizer o óbvio se afirmar que o Amor é a base do casamento, mesmo que depois este assuma exteriormente a forma de um acordo entre duas partes, com uma projecção social. E é sobre isto que quereria reflectir.


Quando duas pessoas se amam verdadeiramente, vêem claramente que a sua vida faz sentido se for partilhada em todos os momentos, descobre-se o lugar da própria existência mais central, onde é impossível estar sozinho: onde tu e eu precisamos um do outro, para sermos quem somos e realizados nas nossas maiores aspirações, onde se entrega a vida mutuamente. E esta relação de amor não é fechada, porque todo o amor é fecundo e gera vida. Quando ouço falar da família como a célula da sociedade, penso nisto: como é maravilhoso que os homens e mulheres de amanhã nasçam a partir de um amor incontido, que se comunica em nova Vida. Isto é tão bonito como extremamente exigente, é uma responsabilidade tão grande dar filhos ao mundo...


Fazer um caminho em direcção a esta consciência é o que, a meu ver, decide muito do resultado e do "sucesso" de um casamento. Estou a fazer a minha preparação para ser padre há 12 anos, com pessoas especializadas e preparadas para me ajudarem a ter consciência da minha opção de Vida. Não há nenhum casal no mundo que faça um percurso idêntico de mútuo-conhecimento para poder amadurecer a relação, sonhar com ela, etc. Nem isso seria viável, mas é para fazer cair na conta de como uma opção de casamento requer uma maturidade muito grande e um caminho de exposição da própria verdade, das próprias intenções e, sobretudo da energia de amor que liga duas pessoas, no presente e no futuro.


Uma preparação mal feita e à pressa, não é o único problema, nem creio ser o problema principal. É necessário ter consciência, de inteligência, alma e coração, da profundidade do amor, e como só este é capaz não só de dar Vida e entregá-la, mas também de perdoar, perceber, cuidar, ser fiel, ganhar e perder, sempre na maior alegria. Desejar amar com todas as suas consequências é o grande motor do casamento. Quando duas pessoas casam a ver o que depois dará, algo não está a funcionar... Se bem que podem surgir dificuldades tão grandes que não se podem resolver senão com a separação, é preciso ser consciente de que não é primeira dificuldade que pôe tudo em questão. Como disse, cada caso é um caso....


Quer a legislação civil, quer a legislação do direito da Igreja prevêm casos de divórcio, ou anulação do casamento. Bem sabemos que é mais fácil obter o divórcio civilmente do que na Igreja. O casamento na Igreja, para além do aspecto do consenso e do contrato social, é uma união abençoada por Deus. Não como um elemento mágico, mas como a expressão da divindade do amor, presente na vida de duas pessoas que se unem. No fundo cada um dos esposos diz sim à capacidade de amar até ao limite, sem "ses" ou "mas". Quem casa assim, com-promete a própria Vida com o outro, e o amor total é eterno, dura toda esta vida, até sempre.


A dificuldade em haver divórcio na Igreja deve-se ao facto de querer salvaguardar este acontecimento fundamental. No direito da Igreja são previstos muitos casos que se poderá anular o casamento, por razões muito fortes, que tenham a ver com a verdade, a integridade, e outras situações que possam vir a ser apreciadas, tão variadas quantas as circunstâncias e as pessoas. Mas pela razão de apelar à profundidade humana e espiritual de quem casa, não se pode quebrar um laço tão forte por motivos débeis. No fundo, é preciso ser também responsável das próprias opções e o casamento, a meu ver, não é algo que se possa decidir levemente.


Há tempos, li no último número da revista Brotéria (revista de cultura publicada pelos jesuítas portugueses) um artigo sobre a nova legislação do divórcio em Portugal. Esta facilita o divórcio de uma forma que pode abrir caminhos a grandes injustiças, sobretudo quendo pôe em questão os direitos da parte lesada ou dos filhos. Fiquei muito preocupado e perguntei-me, como na reflexão final do artigo aparece, se a nova lei do divórcio acaba por pôr em crise o casamento como instituição de estabilidade social; e se estas leis acabam, no final, por dar maior relevo ao casamento religioso, por este alimentar mais a coêrencia de vida e de amor e, por isso mesmo, vem mais protegido.



6 comentários:

Antonio Carvalho disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Antonio Carvalho disse...

Olá António Valério:
Obrigado pelo «post» e ter aceite a minha sugestão. Sei que não é um tema confortável mas é, infelizmente um tema dos nossos dias, e fui descobrindo ao longo desta minha vida, que é por vezes no desconforto que mais crescemos.
Penso que o abordou naturalmente da forma mais generalista possível, mas tocou alguns dos pontos importantes: amor e confiança. Acredito que estes sentimentos se podem tornar verbos. Lembro-me com frequência de uma história que li num livro, em que um indíviduo se lamentava do seu casamento. Dizia, "...«estou francamente incomodado. A minha mulher e eu não sentimos um pelo outro aquilo que antes sentíamos. Suponho que já não a amo e ela já não me ama. Que posso eu fazer?»
Perguntou o outro: «Já não sente nada por ela?» «Não», respondeu ele. «E temos 3 filhos que são a nossa preocupação. Que é que sugere?» «Ame-a», respondeu o outro.
«Mas como lhe disse, já não sinto nada por ela»
«Ame-a»
«Mas não comprende qu o sentimento do amor desapareceu?»
«Então ame-a. Se o sentimento desapareceu, mais uma razão para a amar.»
«Mas como se pode amar alguém a quem não amamos?»
«Meu amigo, AMAR é um verbo. AMOR - o sentimento - é o fruto de AMAR, o verbo. Portanto ame-a. Sacrifique-se. Escute-a. Crie empatia. Manifeste-lhe o seu apreço. Dê-lhe confiança.»
Muito obrigado, mais uma vez por ter aceite a minha sugestão.
António

susana disse...

O problema é: será que as pessoas sabem de facto o que é amar? As pessoas casam-se muitas das vezes por pressão social, porque é bonito vestirmo-nos de branco. Fazem dos preparativos do casamento um fastidioso trabalho. Csam-se sem se conhecerem a si mesmas, sem saberem qual o seu logo no macro-cosmos. Têm filhos porque são pressionados para tal e por aí adiante... não é que sejam processos conscientes porque nem sempre o são. E é claro que estou a generalizar, há casos que não vêm comprovar a regra, por existe no léxico o conceito excepção. A leviandade não nas relações mas na forma como se conceptualiza o que é uma relação resulta numa leviandade na forma como se conceptualiza tudo o que vem a seguir: o ter filhos, e o divórcio.
O amor não se ensina, mas compreende-se. É um processo muito pessoal, que tem que ser feito com paciência e paz de espírito. A sociedade em que vivemos castra esses dois pontos.
É muito bom ler-te, não és um moralizador.
Um abraço grande
su

António Valério,sj disse...

António, eu é que agradeço a sugestão! Gostei muito disto que diz de pensar mais no verbo que no nome.Em vez de amor é amar, é o dinamismo da Vida, a sua surpresa e a sua responsabilidade. Obrigado!

Su! Concordo completamente contigo (para não variar =P) É o grande drama de viver o amor, o deixar que as coisas vão acontecendo, porque tem de ser. Não há nada mais preocupante de deixar que a Vida aconteça sem estar nas mãos e no coração. Vamos vivendo como é suposto... e é preciso um respiro gigantesco para dizer: pára aí! O que é que quero mesmo?

Ai surge o que verdadeiramente interessa, começamos um caminho mais verdadeiro, mesmo que não seja óbvio nem cheio de certezas. Normalmente não o é, mas é a inspiração inicial que faz ser o que somos.

Fico contente que nao me consideres moralizador! Já tenho que lidar todos os dias com as minhas incoerencias, não tenho cara para julgar quem quer que seja. Apesar de não deixar de propor o que acho que é bom propor na Vida, e normalmente faço bons conselhos a mim mesmo, e espero que sejam bons conselhos para outros =) beijinho

Leonor disse...

Um post complexo sobre um tema difícil e que a mim me diz muito - porque sou divorciada, porque sou jurista e porque sou católica.
É impossível transmitir para aqui tudo o que estas palavras provocam.
Tenho porém uma certeza: não é só a leviandade do passo de casar, é também (e sobretudo) a falta de consciência diária de que um casamento é uma união vital, leia-se, uma partilha de vida que tem de ser diariamente alimentada, não pode ser esquecida e largada num canto, porque se assim for, morre ... esquecida, com sede, com fome. É tão fácil cair nisto e ver dois seres distantes pejados de solidão a viver debaixo do mesmo tecto.
Quanto ao novo regime do divórcio, tenho sentimentos contraditórios. Não me parece que exista maior facilitismo quando o "obstáculo" que se expurgou com a nova Lei foi a declaração de cônjuge culpado. A taxa de divórcio já era altíssima e feita sobretudo de divórcios por mútuo consentimento onde a culpa não era nem é sequer chamada para o assunto. Não creio que a nova Lei seja um incentivo a mais divórcios, o problema é anterior e está relacionado com o facilitismo de vida em geral. Dá trabalho viver e dá ainda mais trabalho viver a dois e trabalho, é coisa que se quer ter cada vez menos nos dias que correm.
Não creio que vá haver mais divórcios por causa da nova Lei, existirãotalvez os mesmos ou mais divórcios porque investir numa relação, lutar por ela, olhar por ela, ser-se capaz de, em pequenas coisas diárias, pôr o "eu" para trás das costas e pensar no "ele", no "ela" ou no "nós", mexe com crenças umbiguistas, mexe com noções de dificuldade, mexe com cedências e hoje, é-se pouco educado para tais vidas.

António Valério,sj disse...

Olá Mlee e obrigado pela visita e pelo comentário! Estou muito de acordo, e tu sabes melhor que eu, por experiência e formação, daquilo que falo. Que se é importante uma boa consciência antes do casamento (e o que é uma boa consciência?) é ainda mais importante o viver cada dia como um desafio cheio de promessas e entrega, no meio de todas as dificuldades. Não contactar com o essencial numa relação de amor (e nisso também me revejo, como religioso, apesar das diferenças) vai arrefecendo o que é o motor principal da Vida.

Relativamente à lei, também acho que não seja um incentivo ao divórcio ou que isso se reflecte num aumento do divórcio. A minha opinião toca algo mais fundo e referia-me a casos extremos que a nova lei permite. Porque expurgar a declaração de culpa parece-me ser também des-responsabilizar. E, como dizes, facilita as coisas sem ter conta da profundidade e da consequência de uma decisão, o que é humanamente pobre. Concordo mesmo contigo e obrigado!

 

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