31 outubro 2010

Canto Gregoriano

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Sugestão de Nise


Há uns meses atrás, o António Valério pediu-me para eu escrever alguma coisa sobre o Canto Gregoriano. Comecei a escrever… mas depressa abandonei aquilo que tinha começado. Já existem tantas introduções ao Canto Gregoriano que a minha não traria nada de novo. Toda a gente sabe mais ou menos o que é o Canto Gregoriano, e a internet pode ser uma preciosa ajuda para quem quer aprofundar estes e outros temas. Também não queria entrar em polémicas nem em contrastes ideológicos que, quando se trata de uma realidade mística e sagrada como a Liturgia, só nos podem fazer mal. Tenho a firme convicção de que fazer da Liturgia uma questão ideológica, de esquerda ou de direita, conservadora ou progressista, é uma profanação. Não nos podemos esquecer que a Liturgia é de ordem mística. É dom de Deus para nos tocar de salvação… e o Canto Gregoriano não é um absoluto.

Por isso escrevo algo muito diferente… pessoal… uma experiência de vida e da Vida, onde também entra o Canto Gregoriano.

Era a Noite de Natal. Começava a celebração na Basílica de S.Pedro no Vaticano presidida pelo Papa. O toque de Deus atingiu-nos logo desde o primeiro momento da celebração (para não falar da preparação…). Em vez de uma esfusiante canção natalícia de centro comercial, fomos envolvidos por palavras sagradas, que se exprimiam num música interior, profunda, expressiva, contida, sóbria e comovente. Era a tradicional antífona de entrada da Noite de Natal em Canto Gregoriano: Dominus dixid ad me: Filius meus es tu. Hodie genui te (O Senhor disse-me: tu és meu Filho. Eu gerei-te hoje)…

Senti-me imediatamente tocado pelo Mistério do Natal: naquela noite cantávamos o mistério tremendo da nossa real participação na divindade. A antífona põe na boca de Jesus a expressão do salmo, mas, ao ser cantada por nós hoje, já não cantamos um evento histórico encerrado no passado. Cantamos a nossa participação no mistério de Jesus Cristo no nosso hoje, que na Liturgia se torna um Hoje de salvação, de real participação. É verdade: com aquelas palavras eu cantava comovido o amor louco de Deus que me tocava e abraçava de sentido e de salvação. Naquela noite eu já não era mais um ser tocado de tantas fragilidades e doenças, apenas nascido e já a declinar para a morte, porque naquela noite o Senhor disse-me: tu és meu filho. Eu gerei-te hoje!


A celebração prosseguiu. Depois da belíssima e comovente homilia do Papa ficámos em profundo silêncio a meditar nas suas palavras. Ele falava-nos de Deus… que se fez criança… para que não tivéssemos medo dele…

Depois de um profundo silêncio meditativo levantámo-nos para o canto do Credo. Era o Credo gregoriano da Missa de Angelis. E porque Deus tomou a sério a Encarnação, naquela noite também nós tínhamos que sentir no nosso corpo o tremendo mistério no qual estávamos a participar. Cantámos o Credo até às palavras Qui propter nos homines et propter nostram salutem descendit de caelis (Por nós homens e para nossa salvação, desceu dos céus). Terminadas aquelas palavras suspendeu-se o canto…

Naquele momento Papa ajoelhou-se em profundo recolhimento, e com ele a multidão que rodeava o altar da Basílica, que ficou completamente silenciosa. Como todos os outros, também eu estava com os dois joelhos no chão de mármore frio e duro, com os olhos fechados… e numa paz profunda…

Naquele momento os miúdos do Coro da Cappella Sistina começaram com muita delicadeza a cantar as palavras do Credo Et incarnatus est de Spiritu Sanctu ex Maria virgine, et Homo factus est (E encarnou pelo Espírito Santo no seio da Virgem Maria, e se fez homem)...

Já não era a famosa melodia gregoriana que tinha ficado interrompida, mas uma moderna composição polifónica belíssima… Tinha a leveza e o dançar delicado das nuvens perfumadas do incenso… era música… mas cheia de silêncio…

Quando as palavras do canto chegaram ao fim, … et homo factus est (e se fez homem), nós continuávamos ainda com os joelhos teimosamente plantados no chão de mármore frio e duro, com os olhos cerrados e comovidos… Tinham terminado as místicas palavras que narravam a Encarnação da Palavra… As palavras tinham-nos deixado e a música tinha cedido completamente o lugar ao silêncio… mas nós não tínhamos ficado sozinhos:

naquela suspensão do tempo, da acção e da música,
sentíamo-nos verdadeiramente envolvidos e abraçados pela protectora nuvem da Presença,
num silêncio profundíssimo,
a jorrar de bondade e de consolação,
de alegria e de paz…

(Era a noite do Deus-connosco…)

Fernando António,sj


PS: Adiciono um vídeo, precisamente do momento que o Fernando fala, na Missa de Natal na Basílica de S. Pedro. 



30 outubro 2010

As cores da Vida

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O Outono enche os nossos dias de reflexos e pormenores de cor e luz. Entre os raios de sol e as gotas de água na janela, passam diante de nós imagens nostálgicas de um tempo em que parecia que tudo seria mantido numa promessa de primavera ou calor de verão. 

Acabamos por ter de nos confrontar com paisagens que têm tanto de sereno como de desestabilizador. São passagens feitas dentro da alma que deixam caminhos para trás e nos lançam em construções de futuros promissores. Poderíamos dizer que estamos sempre a terminar e começar etapas, outras, porém, impôem-se na sua força e beleza.

É importante não ficarmos constantemente agarrados a consolações passageiras e prazeres aparentes. Do mesmo modo, vivemos na liberdade de deixar também para trás pesos que não merecemos levar. Podemos viver num Outono constante, mais cheio de finais felizes. Afinal, as cores falam por si.

25 outubro 2010

A paz interior

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É bastante complicado encontrar as nossas rotinas e o equilíbrio no meio daquilo que fazemos habitualmente. Temos o risco de viver a rotina como um tem-de-ser que nos tira a liberdade e a novidade dos vários momentos. Podemos cair numa espécie de insensibilidade que nos diminui e acaba por tirar alguma energia e vontade de fazer bem as coisas.

Mas a rotina também tem aspectos positivos, na medida em que nos molda e nos cria hábitos, ritmos, modos de estar. É inevitável que isto aconteça.

Olhar positivamente a rotina, sobretudo no criar espaços onde possamos "respirar", pensar e rezar aquilo que fazemos e os sonhos que temos é um caminho que acabará por nos trazer muita paz interior. A grande questão está em estarmos completos no que fazemos, sem serem as actividades a definir-nos, mas conseguirmos aproveitar e enriquecermo-nos interiormente mesmo com coisas pequenas e óbvias.

19 outubro 2010

Saber estar

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Muitas vezes acabamos por nos perguntar, no fim de termos estado com alguém, ou termos lidado com alguma situação mais complicada, se estivemos à altura, se a nossa presença e a nossa acção teve resultados positivos. Também corremos claramente o risco de fazer tudo para que ficássemos por cima, que as coisas se tivessem resolvido a nosso favor, que tivéssemos ganho a batalha.

É muito importante aprendermos com as nossas atitudes e criar disposições para os momentos em que somos postos à prova nas paciências e na superação de conflitos.

Muitas vezes, uma aparente derrota numa luta de argumentos significa criar espaço para a possibilidade de reconciliação e entendimento. Ou uma aparente derrota significa, no fundo, uma vitória do bom senso e do desejo de bem.

O bem das nossas acções e o bom fruto delas nasce de um discernimento capaz de avaliar as boas consequências do nosso modo de estar. Estar na vida e diante dos outros de um modo pre-disposto à amizade muda muito as coisas.

14 outubro 2010

Desejos

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Desejamos muito que aquilo que projectamos corra bem, seja um sucesso, que cumpramos as nossas expectativas. Temos momentos na vida em que nos encontramos no ponto em que algo se está a concretizar e aguardamos com alguma ansiedade o resultado dos nossos sonhos.

Em tudo isto, é bonito ver como os sonhos estão intimamente ligados com as acções concretas e os caminhos que percorremos para os ver cumpridos. Nessa altura, sentimo-nos entusiasmados e à espera que algo aconteça.

Mas é importante que as expectativas não nos tirem a surpresa nem limitem a nossa capacidade de aceitar o que vier. Os sonhos são, por natureza, coisas prováveis e improváveis ao mesmo tempo. No fundo, são uma parte essencial da vida, e tudo nos pode ser dado a viver como um dom muito grande. 


08 outubro 2010

Arranque

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E depois de uma longa paragem, já começava a sentir um vazio deste espaço! Nada melhor que dar cara nova ao Cidade Eterna, que já não é Roma, mas é a nossa cidade de todos os dias, onde a eternidade tem sempre um lugar importantíssimo.

E já estou em Braga, no arranque do ano! Escrever em poucas palavras aquilo que tem sido não é, para já, a minha intenção. Prefiro ir escrevendo impressões nos próximos posts. =)

Um início encerra muitas muitas promessas. Mas, há algo que verdadeiramente toca o nosso ser e nos faz cair na conta de uma coisa muito simples... que acabamos por começar pouco. Quase tudo o que fazemos, sobretudo se pomos em movimento a nossa bondade e criatividade, tem já uma longa história atrás de nós.

Começar algo é, de certa maneira, assumir consequências do caminho percorrido, mesmo das etapas que não parecem importantes ou que preferíamos não ter passado. Estamos inteiros na nossa história, quer queiramos quer não. 

E sonhar com dias futuros, luz de fim do dia e reflexos de cores nas paredes da nossa casa, é um poema que escrevemos todos os dias. Com a melhor arte que temos: a Vida que pomos à disposição do mundo.

 

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