Não consigo ficar indiferente à notícia que hoje foi divulgada dos abusos sexuais feitos em várias instituições católicas da Irlanda, entre os anos 30 e 90. Em Março, o Arcebispo de Dublin já tinha alertado para o choque que este relatório iria causar e que, mesmo assim, eram situações que tinham que ser trazidas à luz.
Sinto uma profunda tristeza pela dimensão destes abusos, e creio que nem vale a pena argumentar factos que possam tirar algum peso ao que aconteceu, como o facto de ser uma parte relativamente pequena comparada com o número de crianças e jovens que receberam uma educação boa e humana por parte destas instituições, ou que não eram apenas os religiosos que o faziam, ou que nesses anos alguns tipos de castigos físicos eram considerados normais. São duas mil crianças, mas bastaria uma...
Choca-me o silêncio que se faz quando acontecem estas situações, choca-me ainda mais o facto de alguém que entrega a Vida a Deus e ao serviço dos mais pobres possa fazer algo assim. Revolta-me que estas coisas aconteçam, custa-me aceitar que a Igreja em que vivo e dou a vida tenha também este lado. Não me sinto no direito de julgar ninguém, eu próprio tenho as minhas fragilidades e rezo todos os dias, pedindo para ser melhor, mas o facto de serem tantos revela algo que não está bem.
Nem creio que seja só um problema que os padres não conseguem viver a castidade. Estes casos apontam para uma situação de falta de identidade e integralidade muito mais profundas. É um deixar cair a própria humanidade no mais fundo, perder referências básicas, estar completamente desorientado.
Tenho reflectido muito que tudo isto são sintomas de uma falta de identificação do clero com o seu estatuto e a sua missão. Nos anos a que se referem estes abusos, e hoje ainda mais, o contexto requer que um padre tenha uma consciência muito mais iluminada daquilo que quer e do que Deus lhe pede, que a vocação nasça de uma alegria enorme e a toda a prova, que Deus seja verdadeiramente tudo, unicamente tudo, porque hoje é muito fácil ter tudo...
O que fazer? Rezar por quem sofreu assim, por quem fez isto, mas sobretudo conseguir ser cada dia melhor cristão e melhor jesuíta. Podem ter a certeza, isto acordou-me para a responsabilidade que tenho de ser mais santo, e mais eu próprio... magoamos muito o mundo com a nossa falta de verdade.
4 comentários:
Que triste é sem duvida viver sem verdade...fingir e parecer mais do que ser.
Hoje ao ler-te senti um aperto bem fundo, força e obrigada por esta partilha verdadeira.
A dor de quem sofreu não vai ser apagada, mas Deus confortará aqueles que sofreram e sofrem em seu Nome.
I.O.
É uma dor quase insuportável: Itália, Irlanda, EUA, Austrália... como é que lugares criados para proteger os desprotegidos, dar guarida a quem não tem tecto podem encerrar estas atrocidades?
Foram sentimentos à deriva, mal nutridos e mal amadurecidos, que produziram este resultado. Temos de controlar a nossa indignação para não reagirmos de forma exagerada. Mas não é fácil. Não é de todo fácil.
Muita oração, só mesmo Ele nos consegue acalmar nestas alturas. Não deixo de ficar triste por se ter insistido no anonimato dos perpetradores.
Abraço
Partilho dessa tristeza contigo. Rezo para não perder a esperança diante de factos tão horríveis. Rezo também pelos que sofrem e para que não haja mais atrocidades dessas escondidas... Realmente, o problema é a falta de verdade, de coragem, de equilibrio...
Grande beijo e bom fim de semana. :)
É horrivel e tal como tu, nesta situação e em tantas outras por esse mundo fora, choca.me e doi-me muito o silêncio.
Mas depois, lá está, há o outro lado, e ver dentro Igreja pessoas como tu ... obrigado.
Hoje e se calhar mais vezes, vou rezar por ti.
Boa semana.
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