29 outubro 2009

Devoções populares



Sugestão de Nise

Quando falamos, ao menos em Portugal, de devoções populares, imediatamente nos vêm à cabeça imagens dos peregrinos em Fátima, sobretudo os que cumprem promessas de joelhos, ou então procissões com música e bandeiras, ou santos com muitas velas à frente. Imaginamos sempre pessoas de mais idade, ou com pouca cultura. E é quase irresistível dizermos: esta é uma Igreja muito diferente daquela que penso ser a correcta!

Isto em Portugal, mas um bocado por todo o mundo, da Polónia até ao México, vemos multidões que celebram a fé à volta de um santuário, uma imagem, ou uma determinada data. O que é um facto é que as devoções populares, mesmo que actualmente tenham tendência a estar mais ligadas a pessoas mais velhas, são uma expressão da fé de um enorme número de cristãos.


Em tudo isto, há dois aspectos menos positivos ligados às devoções populares: um é a falta de conhecimento teológico catequético, ou seja, uma fé pouco esclarecida e muito ligada a ritos exteriores e cumprimento de determinados preceitos. O outro aspecto, que vem ligado a isto, é a superstição, que é a parte mais "perigosa" de uma fé pouco esclarecida: estas devoções podem assumir um carácter comercial, de pagar favores a Deus ou fazer coisas para obter o seu favor. Como se fosse necessário recordar a Deus que Ele deve amar-nos.

Um aspecto que poderia fazer reflectir, principalmente a quem está mais responsável pelos centros onde tais devoções têm mais força, é se a quantidade de fiéis justifica o deixar passar sem grande problema uma série de hábitos que, no fim de contas, significam pouco para uma vida autenticamente cristã. Pode correr-se o risco de cumprir algo diante de Deus, fazer as contas com Ele e, depois, isso não se reflectir muito na vida concreta, a nível de opções de fundo. Faltaria um maior acompanhamento e envolvimento espiritual das devoções.

Pessoalmente, mesmo tendo consciência destes limites das devoções populares, dou-lhes muito valor , pois também têm muitas coisas que são extremamente positivas:

A devoção é uma expressão da fé muito mais existencial que racional. É um meio, entre muitos, de entrar em oração e relação com Jesus, mesmo através de Nossa Senhora ou de algum Santo. Por consistir normalmente em coisas muito práticas ( uma determinada oração, um gesto)  faz usar na oração o próprio corpo e a própria sensibilidade, podendo rezar de forma mais integral. Uma oração reflexiva e simplesmente meditativa, se tem a vantagem de poder ser mais esclarecida e aplicada à vida concreta, tem também os seus limites. É importante falar, sentir, cheirar e tocar, pois o nosso corpo também entra na oração.

Em segundo lugar, a devoção é também uma expressão simples do coração, sem complicar muito as coisas. Estabelece-se entre o devoto e Deus uma relação afectiva, de súplica, louvor ou agradecimento. Tem uma ingenuidade própria que é muito frontal e transparente na relação com Deus. De coração a coração. Quando esta experiência de encontro pessoal com Deus é forte, seria então necessário o poder acompanhar o seu desenvolvimento, em direcção a uma vida mais cristã a partir de dentro.

Por isso, acredito que as devoções populares podem estar ao alcance de todos, mesmo de quem está mais "avançado" na catequese. A experiência alimenta a fé, e uma fé esclarecida também dá sentido à devoção. No fim de contas, na expressão da própria fé é bastante difícil tirar a devoção, pois faltaria uma parte muito importante da nossa vida espiritual: sermos mais carne e mais coração na nossa oração.


6 comentários:

concha disse...

Sempre que vou a Fátima e vejo aquelas pessoas que dão várias voltas na Capelinha, interrogo-me sobre o que as levará a tal.Já tenho pensado que só um grande sofrimento pode levar a que se humilhem tanto perante todos.Também por vezes penso que tudo não passará de uma manifestação exterior e só isso.
E ainda outras vezes dou comigo a pensar que direito tenho de julgar o que cada um faz.Ali Deus diz-me em silêncio que só tenho de O acolher naqueles que admiro pela sua fé e naqueles que eu sou tentada a julgar respeitando assim as opções de uns e de outros.Só isso.
Um abraço

António Valério,sj disse...

Concha
Bom dia! De facto, é difícil estar a julgar essas situações, se nasce de um grande sofrimento (normalmente sim) ou se é algo apenas exterior. Não sabemos. Mas são modos em que Deus toca as pessoas, se seria necessário fazerem aquele gesto, isso seria outra questão. Passa muito por tomar consciência que se pode agradecer ou pedir a Deus sem ser necessário fazer estas penitências. Há muitos modos de o fazer. Mas respeito, apesar de não achar que seja a melhor maneira. Obrigado!

Anónimo disse...

"sermos mais carne e mais coração na nossa oração" :)

Há uma porta de entrada mas também há uma de saída. A carne deve cantar o Amor do Espírito. Para melhor revelar quem é o nosso Senhor e nosso Amor. Porque é que há tanto medo em sair (por mim o digo)? Há dias rezava a entrega de Jesus na cruz. Ser fiel ao Amor, que é infinitamente maior que a dor. O sofrimento é uma oportunidade mais funda de revelar Cristo. Não é revelar Cristo a vocação de todos os cristãos? E há carne sem feridas, sem sofrimento? A grandeza da carne é imensa! Jesus foi furado nas mãos, nos pés e no lado e, em vez de revolta ou ódio, o que saiu foi Vida e Misericórdia em abundância. Não é esta a vocação da carne? Abrir a porta de saída para revelar o dom que temos... para sermos o dom (que temos)?

Deus nos dê a graça de lembrar/ver em cada momento a delicadeza/pureza do Amor e encontrar aí sentido para a nossa fidelidade e nos dê coragem para vencer o medo/fraqueza da carne. Amén.

Dylan disse...

Análise bastante interessante...

Teresinha disse...

Estou viciada neste blog! Lol

Descobri-o a semana passada e agora não saio daqui!

Com uns posts concordo, com outros concordo em quase tudo e discordo num pontinho ou dois sem maior importância, mas estou a adorar este espaço!

Bem, quanto a este tema, o único que posso contar é a minha experiência pessoal.

A minha conversão ao Catolicismo deu-se pelas mãos puríssimas de Nossa Senhora, sob o título e invocação de Virgem de Guadalupe; a Virgem de Guadalupe mexicana.

Era ainda muito pequenina e não vinha de família católica. Em traços muito gerais, comecei a estudar, sozinha, a doutrina católica – depois de uma experiência muito marcante com a Virgem de Guadalupe, que não é oportuno referir aqui.

E isto tudo para dizer que sou a favor das devoções e das penitências, porque sei bem o que é isso. Não é, ao menos no meu caso, uma questão de sofrimento ou manifestação exterior, é sim uma questão de amor. Como muito amo a minha Virgem de Guadalupe, seria capaz de tudo por amor a Ela!

E quanto à mortificação, não nos esqueçamos que foi sempre praticada na Igreja, desde os seus primórdios.

Nunca fiz penitências muito pesadas, mas tenho a certeza absoluta que não me faria qualquer confusão fazê-las, se disso necessitasse um dia. Por uma questão de amor e unicamente de amor!

Pormenor importante: Tenho 23 anos, pelo que não me venham com o estereótipo de que só as pessoas mais idosas é que vivem intensamente as devoções, mormente à Santíssima Virgem.

Claro, é preciso ter-se uma boa preparação catequética-doutrinal – mas eu acho que todo o tempo que tive que estudar, sozinha, a fé católica deu-me essa preparação.

Não podemos também querer reduzir a Igreja a vinte ou trinta anos. A nossa Igreja tem dois mil anos! Dois mil anos de práticas, costumes, tradições; umas têm sentido, outras devem ser eliminadas aos poucos. Mas, com certeza, a mortificação e a vida ascética não são uma delas.

Continuação de boas festas pascais,
Em Jesus e Maria!
Teresa

António Valério,sj disse...

Olá Teresa!
Bem vinda ao blog e obrigado pelas impressões positivas e pelo comentário!
Agradeço a sua partilha do modo como a devoção a Maria a faz centrar-se tanto na fé e no amor a Cristo.
E concordo absolutamente com tudo o que diz e, aliás, é o que eu disse também no texto que escrevi, que a devoção tem todo o sentido, mesmo sua a expressão exterior da penitência e da mortificação. Há uma sabedoria enorme por detrás da ascese, que não se pode descurar. É como diz, uma herança cristã de milenios.

O unico ponto que me referi mais criticamente, é o facto de que há cristãos que, nas suas devoções, ficam apenas pelo aspecto exterior. Não estou a julgar as pessoas em geral, falo de casos concretos de pessoas que me contam como vivem as devoções, e reparo que falta alguma profundidade ao que fazem, é apenas uma espécie de cumprimento de preceito. Quando a devoção e o gesto existe para, precisamente, ir além dele.
Da mesma forma, conheço também pessoas que, como a Teresa, vivem a devoção como um caminho de grande profundidade e de amor, e aí só tenho que admirar e agradecer.
A grande questão é sempre o porquê de fazermos as coisas.

Continuação de bom tempo pascal!
com amizade
Antonio

 

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