06 abril 2009

Porquê confessar-se?

(Sugestão de Caramela)

Se bem que ainda tenho outros dois temas para falar, e penso fazê-lo estes dias, resolvi responder a este último desafio, por ser na semana santa, que é um momento em que muitos cristãos se aproximam da confissão. Poderia falar muitas coisas sobre o sacramento da confissão, ou da reconciliação - pessoalmente prefiro esta designação -, das suas origens, o desenvolvimento porque foi passando ao longo da história até à forma em que chegou a nós hoje, ou como se desenvolve esta celebração. Mas acho mais importante focar o ponto principal, porque nos confessamos?


É, de todos os sacramentos, provavelmente o mais difícil de entender e o mais criticado. Acho que também, infelizmente, más experiências com alguns confessores ajudam muito a isso. Com coisas que tenho ouvido, não me espanta que haja pessoas que ficam 20 anos sem se confessar! Num momento que já de si é de fragilidade e manifestação da própria vida, ser sujeito a críticas condenatórias ou interrogatórios morais é muito triste. Neste caso, acho que devia ser mais claro que as pessoas deveriam saber que têm o direito de parar a confissão e fazer queixa desse sacerdote a um seu superior. Talvez nisto apresente um tom mais duro, mas acredito muito que a reconciliação é um momento de acolhimento, paz e perdão, e que esta atitude se deve manter sempre, mesmo nos casos particulares em que o confessor achar que, para bem da pessoa, deve ser mais exigente com ela.


Um outro aspecto que normalmente vem apontado à confissão é o facto de ser suficiente confessar directamente a Deus os próprios pecados e assim ter o seu perdão. Estou de acordo, porque também acredito que Deus ouve e atende as orações e os pedidos que lhe fazemos e, se lhe pedimos perdão, Deus perdoa-nos, como é próprio do seu modo de ser e agir connosco. Mas concordar com isto não quer dizer que seja suficiente, e explico porquê.


O pecado não é ter faltado a uma regra do catálogo das nossas virtudes e do nosso bom comportamento. É falta de amor, que é o egoísmo: sempre que não amamos, que fomos egoístas, que fizemos de alguém objecto do nosso interesse, que não respeitámos a beleza de nós próprios e do mundo, no fundo, quando fomos mais pequenos do que os gestos amorosos nos pedem. E quando em todas estas coisas temos consciência de que somos responsáveis pela falta de qualidade de qualquer acto, palavra ou pensamento. Quando amamos menos, ou quando pecamos, não é só a minha própria consciência que fica mal, mas alguém ou alguma coisa do mundo perdeu algo com a minha falta de amor. As primeiras comunidades cristãs tinham este aspecto muito presente e, por isso, a confissão e o perdão eram públicos, porque o pecado de um afectava a todos. Entretanto, a confissão foi-se tornando algo mais privado até chegar ao que temos hoje, em que o padre é o representante da comunidade e das pessoas a quem directa ou indirectamente, como expliquei, deixamos de dar o nosso amor. Por isso, em relação a este primeiro aspecto, é muito mais forte o facto de ter alguém concreto a quem expor os pecados.


Ligado a isto, o facto de ter de exprimir verbalmente os aspectos mais "escuros" da nossa vida, obriga-nos a um exercicio de verdade connosco mesmos e reconhecer que há coisas em nós que não nos fazem bem e não nos libertam. E essa verdade faz-nos estar arrependidos e querer mudar. Não há verdadeira mudança na nossa vida se um dia não temos a coragem de enfrentar aquilo que não gostamos em nós. E podemos arrastar-nos meses e anos com angústias que poderíamos ter entregue e abandonado mais cedo. A verdade liberta.


Deixo para o fim aquilo que acredito ser o aspecto mais rico e central da confissão. Não é fazer e dizer uma lista de pecados, mas é sobretudo receber o perdão e a paz. Creio que há poucos dons que desejemos com tanta intensidade. Perdoar-nos a nós próprios e aos outros, ser perdoado por alguém é das experiências que mais nos constroem como pessoas. E a paz, no nosso coração, na nossa consciência, nas nossas relações. E sendo dons que Deus nos dá, então são-nos dados em modo superabundante. O sacerdote ouve os nossos pecados e faz de instrumento visível do acolhimento, do perdão e da paz que Deus dá.


Continuo sempre a insistir no facto de que não somos só pensamento. Somos palavras, gestos, toques, sons. Confessar-se só a Deus não nos ajuda a viver o perdão em modo completo e abençoado. Uma palavra de compreensão, ajuda e salvação pode ser muito forte no reconstruir e recomeçar a nossa Vida. Recomeçar, mais livres, mais perfeitos, é por isso que nos confessamos.

7 comentários:

susana disse...

voltarei para comentar, estou a ficar sem bateria e este comentário será longo:P
beijinho
su

carolbardi@hotmail.com disse...

Recomeçar! É exactamente isso que sinto quando vou me confessar. No fundo é voltar para o caminho, re-começar o caminho com Deus, com o amor de Deus e para o amor aos outros. Também concordo que muitas vezes não é fácil essa exposição total de sentimentos e sobretudo do pecado. Não é fácil reconhecer-se na fragilidade, aceitar-se, perdoar-se e pedir perdão. A imagem que tenho na cabeça quando penso nisso é daquela parábola do filho pródigo.. Como se eu voltasse a casa do meu Pai, e Ele estivesse a minha espera de braços abertos!

Obrigada pela reflexão. Optimo post! :) Um grande beijinho e bom resto de semana.

Anónimo disse...

Porque razão eu teria q me confessar a um homem q é tb pecador! N concordo!Ele deveria ser modelo aproximado de Cristo!Perdoar, amar e doar-se aos outros!Todos os dias proclama a Palavra, mas as atitudes e comportamentos e indiferenças continuam.E é isso q provoca uma certa revolta e tristeza.
Só Deus perdoa e mais nada.

Claro q nem todas as pessoas são iguais, mas eu falo por experiência.

Um abraço em Cristo.

Guida

António Valério,sj disse...

Ola! Obrigado pelos comentários.

Su,fico entãoà espera estou curioso com as tuas observações ;)

Guida, percebo bem o que dize, confessar-se a alguém que também é pecador levanta algumas questões. O que é importante reconhecer é que não se confessa tanto ao padre como pessoa concreta, mas ao padre como aquele que representa Deus e a comunidade. De todos os modos, um padre, pela sua opção de vida, deveria ser exemplo de uma vida mais tocada por Deus, mas também tem as suas fragilidades, eu próprio reconheço as minhas... Creio que o que diz alerta muito para que os padres tenham consciência que as suas atitudes devam ser as de Jesus e assim quando confessam tudo faz mais sentido. Obrigado pela provocação.

tchi disse...

Reconciliar-se. Reencontrar-se. Pacificar-se. Libertar-se. Amar-se. Perdoar-se. Ser em Comunhão. Chegar-se mais a quem é O MAIS.

Feliz Páscoa António.

Beijinhos.

Leonor disse...

A reconciliação é feita de um encontro, nós com Deus com a verdade pelo meio mas, nesse encontro é fundamental o papel das duas partes - o nosso, que nos despojamos na procura da reconciliação com a nossa fé e o de quem nos ouve que, como dizes, tem um papel representativo e que tem de saber acolher com humildade, sabedoria e amor.
Quando assim é, a reconciliação é um sacramento regenerador e pacificador com uma força imensa.

Beijinhos e uma boa Páscoa para ti.

erute disse...

Sei que este post já tem alguns meses,mas só hoje o li. Ele explica muito bem o que é a confissão, o sacramento da reconciliação.

Está clarissimo, muitas pessoas o deviam ler e re-ler para entender toda a profundidade.
Obrigada!

Deixo só uma nota mais pessoal, é muitissimo bom sair da confisão, com o Perdão de Deus expresso pelo representante de Cristo :)
(e tb já tive experiência menos agradáveis, procurei logo a seguir outro sacerdote)

 

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