17 janeiro 2011

Fé e coerência


(sugestão de Isabel Mota)

Volto aos temas, alguns já bastante atrasados, e este particularmente reveste uma importância enorme. Sob muitos aspectos, a questão de testemunhar a Cristo na nossa cultura actual será uma pergunta diária e um desafio constante para aqueles cristãos que se preocupam em marcar alguma diferença, no meio em que vive.

É fácil cair instantaneamente em discursos mais moralistas, que acabam já por ser lugares-comuns, que podem ter tanto de razão como de injustiça. Frases do género "vão à missa e são piores do que os outros" acaba por ser um refrão que não me agrada. Por dois motivos: porque, de facto, podemos ver que cumprir uma série de preceitos de religião acaba, nalguns casos, por estar muito desligado das opções e do estilo concreto de vida; e, por outro lado,  não me agrada porque é extremamente redutor e coloca as pessoas que vão à missa todas "dentro do mesmo saco", como quem fala de fora, sem experiência, o que me parece sempre pouco honesto.

A grande questão está, a meu ver, naquilo que poderemos chamar o carácter performativo do ser cristão. O que "forma" o cristão, o que identifica um cristão, qual a sua essência? O mais difícil de explicar é que tudo, em resumo e no essencial, se condensa no facto de que ser Cristão é pertencer a Cristo de modo total. Ir à missa, cumprir os mandamentos, viver segundo as orientações da Igreja é apenas a parte externa - e sempre importante - daquilo que interiormente se vive. 

O que define o cristianismo, desde a sua origem é o facto de que Deus se manifesta e comunica como Pessoa, em Jesus. E se existem pessoas, existem relações. O cristianismo é uma religião de tacto e contacto, de olhar, ouvir, dialogar, caminhar juntamente. É a religião que fala através do gesto, em que a Palavra é Carne, em que dizer e fazer coincidem. Ao cristianismo pertence uma extraordinária força de síntese e comunhão, de unificação da vida naquilo que é fundamental, o amor que se expressa e concretiza em tudo.

O amor de Deus não é um conceito, mas sim uma experiência. Sem oração, não se tem essa experiência, sem arrependimento, não há conversão, sem amor, não há serviço. Daí que o cristão é essencialmente um apaixonado pelo Deus que conhece, e, por isso, é um apaixonado pela vida, é responsável pela felicidade dos outros.

O cristianismo é frequentemente criticado, e com razão, por uma forma "burguesa" de estar, quando se chega ao ponto de ficar instalados no que se conhece, e aí as regras começam a funcionar como critérios de pertença, sem que isso implique necessariamente uma adesão de fundo, profundamente espiritual e existencial. No fundo de tudo isto, fica instalado um dualismo entre o que se é e o que se faz. Está a falhar qualquer coisa importante.

Um cristão centrado em Cristo vê as regras como uma consequência, porque apreende existencialmente o seu sentido: a missa é participação em comunidade do mistério da presença de Deus no meio de nós e da comunhão que isso implica. As regras nascem de uma percepção da responsabilidade que cada um tem na qualidade humana do seu modo de estar na vida e nas relações, marcadas pela verdade, compromisso e  transparência. A justiça, a honestidade e a solidariedade não são "modas sociais" mas a necessidade que cada pessoa seja respeitada na sua dignidade, como um irmão, o não ser capaz de tolerar estar bem, vivendo ao lado de situações de injustiça e dor.

Toda a coerência de vida cristã nasce desta relação que me identifica com Jesus. E preenche de tal modo a vida que me torna capaz de superar as críticas, as incompreensões, o não fazer como todos fazem. Marcar a diferença pela autenticidade de vida é um desafio difícil, mas quem realmente quer viver assim, também não lhe faltará a graça para o conseguir. No fundo, um cristão é um místico, e a mística não está, de todo, reservada a quem está fechado num convento ou fugiu para o deserto.

5 comentários:

concha disse...

Boa noite!Só para dizer que li e aqui está tudo.O resto é comigo e com Ele.

Nuno disse...

Este texto dá um passo em frente e ajuda a abrir o caminho àqueles que querem seguir Jesus.

disse...

Gosto muito deste texto. A Fé realiza-se no momento em que a Palavra se vive, se saboreia e se partilha. Implica autenticidade e coerência. Exige muita dádiva e obriga a ignorar o risco. O resto é pura abstracção. E é por isso que caem desacreditados os que seguem o preceito de "ir à missa" e tropeçam os que tentam ser verdadeiros. Tantas vezes, Pe Valério.

Abraço amigo!

Anónimo disse...

Olá Padre Antônio. Concordo com o seu texto e realmente abre uma luz menos "ofuscante", e por isso mesmo muitas vezes evitada pelos que "estão de fora". Mas penso que uma atitude assim tão de acordo com a teoria nasce da certeza, seja ela alcançada, conseguida, tropeçada, conquistada, etc. A certeza provoca a razão a seguir o caminho visto pelo menos sob uma perspectiva. Um abraço. Ótimo texto. Fco. Mello

Rosa disse...

Amar a Jesus Cristo. Ouvir,seguir a SUA Palavra de alma e coração.
Sair de nós, ir para os outro.
Viver com amor

 

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