(sugestão de António)
A questão do divórcio é, sinceramente, um tema que não me deixa muito confortável, por dois motivos principais: o primeiro é que eu próprio, como futuro padre, estou a referir-me a um assunto do qual não tenho experiência pessoal, a não ser através de casos com quem contacto ou de histórias que vou ouvindo. O segundo motivo é que, ao falar deste tema, corre-se o risco de generalizar e não ter a noção de que cada caso é único, e requer uma apreciação particular. Se certos casos de divórcio podem ser caracterizados por alguma "ligeireza", acredito que a esmagadora maioria envolve situações de muito sofrimento e desilusão: um sonho em comum que não está a ser possivel realizar, e as quais respeito profundamente.
Por isso, procurarei fazer uma reflexão sobre o que poderá ser mais essencial, para estar atento e cada um poder tirar também as próprias conclusões.
O casamento, ao menos na nossa cultura ocidental, mesmo para a Igreja, tem um elemento de visibilidade social. É uma instituição social, pois, perante uma sociedade, duas pessoas realizam um compromisso (ou contrato) de viver em comum, criar família, partilhar os bens, etc., e esse compromisso tem os seus direitos e as suas obrigações, que os vários códigos civis ou religiosos prevêm. Há porém, o elemento mais interior desta união, que é o facto de duas pessoas se amarem e desejarem viver a sua vida em comum uma com a outra. Não há lei que possa aferir a qualidade ou a quantidade deste amor, simplesmente se toma como pressuposto, ao menos razoavelmente. Sobretudo agora, que já passou o tempo dos casamentos por conveniência ou desejo dos pais.
Estou a dizer o óbvio se afirmar que o Amor é a base do casamento, mesmo que depois este assuma exteriormente a forma de um acordo entre duas partes, com uma projecção social. E é sobre isto que quereria reflectir.
Quando duas pessoas se amam verdadeiramente, vêem claramente que a sua vida faz sentido se for partilhada em todos os momentos, descobre-se o lugar da própria existência mais central, onde é impossível estar sozinho: onde tu e eu precisamos um do outro, para sermos quem somos e realizados nas nossas maiores aspirações, onde se entrega a vida mutuamente. E esta relação de amor não é fechada, porque todo o amor é fecundo e gera vida. Quando ouço falar da família como a célula da sociedade, penso nisto: como é maravilhoso que os homens e mulheres de amanhã nasçam a partir de um amor incontido, que se comunica em nova Vida. Isto é tão bonito como extremamente exigente, é uma responsabilidade tão grande dar filhos ao mundo...
Fazer um caminho em direcção a esta consciência é o que, a meu ver, decide muito do resultado e do "sucesso" de um casamento. Estou a fazer a minha preparação para ser padre há 12 anos, com pessoas especializadas e preparadas para me ajudarem a ter consciência da minha opção de Vida. Não há nenhum casal no mundo que faça um percurso idêntico de mútuo-conhecimento para poder amadurecer a relação, sonhar com ela, etc. Nem isso seria viável, mas é para fazer cair na conta de como uma opção de casamento requer uma maturidade muito grande e um caminho de exposição da própria verdade, das próprias intenções e, sobretudo da energia de amor que liga duas pessoas, no presente e no futuro.
Uma preparação mal feita e à pressa, não é o único problema, nem creio ser o problema principal. É necessário ter consciência, de inteligência, alma e coração, da profundidade do amor, e como só este é capaz não só de dar Vida e entregá-la, mas também de perdoar, perceber, cuidar, ser fiel, ganhar e perder, sempre na maior alegria. Desejar amar com todas as suas consequências é o grande motor do casamento. Quando duas pessoas casam a ver o que depois dará, algo não está a funcionar... Se bem que podem surgir dificuldades tão grandes que não se podem resolver senão com a separação, é preciso ser consciente de que não é primeira dificuldade que pôe tudo em questão. Como disse, cada caso é um caso....
Quer a legislação civil, quer a legislação do direito da Igreja prevêm casos de divórcio, ou anulação do casamento. Bem sabemos que é mais fácil obter o divórcio civilmente do que na Igreja. O casamento na Igreja, para além do aspecto do consenso e do contrato social, é uma união abençoada por Deus. Não como um elemento mágico, mas como a expressão da divindade do amor, presente na vida de duas pessoas que se unem. No fundo cada um dos esposos diz sim à capacidade de amar até ao limite, sem "ses" ou "mas". Quem casa assim, com-promete a própria Vida com o outro, e o amor total é eterno, dura toda esta vida, até sempre.
A dificuldade em haver divórcio na Igreja deve-se ao facto de querer salvaguardar este acontecimento fundamental. No direito da Igreja são previstos muitos casos que se poderá anular o casamento, por razões muito fortes, que tenham a ver com a verdade, a integridade, e outras situações que possam vir a ser apreciadas, tão variadas quantas as circunstâncias e as pessoas. Mas pela razão de apelar à profundidade humana e espiritual de quem casa, não se pode quebrar um laço tão forte por motivos débeis. No fundo, é preciso ser também responsável das próprias opções e o casamento, a meu ver, não é algo que se possa decidir levemente.
Há tempos, li no último número da revista Brotéria (revista de cultura publicada pelos jesuítas portugueses) um artigo sobre a nova legislação do divórcio em Portugal. Esta facilita o divórcio de uma forma que pode abrir caminhos a grandes injustiças, sobretudo quendo pôe em questão os direitos da parte lesada ou dos filhos. Fiquei muito preocupado e perguntei-me, como na reflexão final do artigo aparece, se a nova lei do divórcio acaba por pôr em crise o casamento como instituição de estabilidade social; e se estas leis acabam, no final, por dar maior relevo ao casamento religioso, por este alimentar mais a coêrencia de vida e de amor e, por isso mesmo, vem mais protegido.