31 outubro 2009

Passagens

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Estamos continuamente em passagem. De um lugar a outro, de um coração a outro. De tempos passados esquecidos e nostálgicos, a futuros que trazem anseio e medo. O presente é passagem de mundos e sentimentos, com uma velocidade que é difícil digerir.

Talvez o maior sinal do nosso cansaço seja a simples incapacidade de parar em espaços de passagem. Não deixamos que o coração agarre o tempo e a experiência.

Mas quando isso acontece, a passagem torna-se paisagem para habitar e fazer frutificar. Por não nos deixar ficar parados, paramos no movimento e aceitamos a condição de ir mais fundo e mais longe. Podemos ficar perto de nós sempre que a profundidade dos nossos gestos e dos nossos olhares dá alguma unidade às nossas paisagens. Uma cor só nossa, um tempo acima do tempo, ou além do tempo. Onde em tudo somos nós, em tudo fazemos entrega.


29 outubro 2009

Devoções populares

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Sugestão de Nise

Quando falamos, ao menos em Portugal, de devoções populares, imediatamente nos vêm à cabeça imagens dos peregrinos em Fátima, sobretudo os que cumprem promessas de joelhos, ou então procissões com música e bandeiras, ou santos com muitas velas à frente. Imaginamos sempre pessoas de mais idade, ou com pouca cultura. E é quase irresistível dizermos: esta é uma Igreja muito diferente daquela que penso ser a correcta!

Isto em Portugal, mas um bocado por todo o mundo, da Polónia até ao México, vemos multidões que celebram a fé à volta de um santuário, uma imagem, ou uma determinada data. O que é um facto é que as devoções populares, mesmo que actualmente tenham tendência a estar mais ligadas a pessoas mais velhas, são uma expressão da fé de um enorme número de cristãos.


Em tudo isto, há dois aspectos menos positivos ligados às devoções populares: um é a falta de conhecimento teológico catequético, ou seja, uma fé pouco esclarecida e muito ligada a ritos exteriores e cumprimento de determinados preceitos. O outro aspecto, que vem ligado a isto, é a superstição, que é a parte mais "perigosa" de uma fé pouco esclarecida: estas devoções podem assumir um carácter comercial, de pagar favores a Deus ou fazer coisas para obter o seu favor. Como se fosse necessário recordar a Deus que Ele deve amar-nos.

Um aspecto que poderia fazer reflectir, principalmente a quem está mais responsável pelos centros onde tais devoções têm mais força, é se a quantidade de fiéis justifica o deixar passar sem grande problema uma série de hábitos que, no fim de contas, significam pouco para uma vida autenticamente cristã. Pode correr-se o risco de cumprir algo diante de Deus, fazer as contas com Ele e, depois, isso não se reflectir muito na vida concreta, a nível de opções de fundo. Faltaria um maior acompanhamento e envolvimento espiritual das devoções.

Pessoalmente, mesmo tendo consciência destes limites das devoções populares, dou-lhes muito valor , pois também têm muitas coisas que são extremamente positivas:

A devoção é uma expressão da fé muito mais existencial que racional. É um meio, entre muitos, de entrar em oração e relação com Jesus, mesmo através de Nossa Senhora ou de algum Santo. Por consistir normalmente em coisas muito práticas ( uma determinada oração, um gesto)  faz usar na oração o próprio corpo e a própria sensibilidade, podendo rezar de forma mais integral. Uma oração reflexiva e simplesmente meditativa, se tem a vantagem de poder ser mais esclarecida e aplicada à vida concreta, tem também os seus limites. É importante falar, sentir, cheirar e tocar, pois o nosso corpo também entra na oração.

Em segundo lugar, a devoção é também uma expressão simples do coração, sem complicar muito as coisas. Estabelece-se entre o devoto e Deus uma relação afectiva, de súplica, louvor ou agradecimento. Tem uma ingenuidade própria que é muito frontal e transparente na relação com Deus. De coração a coração. Quando esta experiência de encontro pessoal com Deus é forte, seria então necessário o poder acompanhar o seu desenvolvimento, em direcção a uma vida mais cristã a partir de dentro.

Por isso, acredito que as devoções populares podem estar ao alcance de todos, mesmo de quem está mais "avançado" na catequese. A experiência alimenta a fé, e uma fé esclarecida também dá sentido à devoção. No fim de contas, na expressão da própria fé é bastante difícil tirar a devoção, pois faltaria uma parte muito importante da nossa vida espiritual: sermos mais carne e mais coração na nossa oração.


28 outubro 2009

A minha história

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Visitar os nossos lugares torna-nos mais conscientes de origens e caminhos percorridos. Teremos força para acreditar que cada espaço é um pedaço de nós, construído por um motivo? E os espaços que ficam fora do puzzle, que parece que foram feitos para permanecer vazios?

A nossa história também tem espaços vazios. E é importante que os tenha, são as coisas que não conseguimos explicar, algo que perdemos, rompemos ou deixámos de cuidar. Ser completo no hoje que me é dado viver passa também por assumir aquilo que ainda não fui capaz de assumir.

A coragem passa por ser humilde. E ser humilde é ser optimista, conseguir deixar andar, partir e continuar. Insistir no vazio pode ter tanto de desafiador, de ser mais completos, como de paralisador, de não sairmos dos mesmos bloqueios. Porque a nossa história também tem um ritmo e uma paciência própria. Importa não ficar parados.

26 outubro 2009

Essencial ou prioridade?

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Uma das maiores dificuldades que podemos sentir no dia-a-dia é a gestão do nosso tempo. Parece sempre que não tivémos tempo para tudo, e que perdemos imenso tempo com coisas que não interessavam. Por vezes, podemos cair no risco de transformar algo muito importante que temos de fazer, seja a oração, seja uma actividade específica, num ponto a cumprir no calendário. E chamamos a isso prioridade.

Mas uma prioridade está ligada profundamente ao essencial. E o essencial não pode ser reduzido a um tempo ou algo a cumprir. É uma atitude de fundo. Vivo o essencial em tudo, e não só nas coisas importantes. É pouco se vivermos o essencial apenas em momentos privilegiados do dia. Se o essencial é o motor de todas as nossas acções, então é um dinamismo que atravessa o nosso dia.

As prioridades são mais exteriores, toques essenciais mais explícitos da acção. Na gestão do tempo é importante não deixar de os ter e procurar. A dificuldade está em tornar essencial aquilo que não é explícito. Mas aí é que se mostra a qualidade da nossa existência, se estamos todos em tudo.


24 outubro 2009

Gratuidade

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Qual é o segredo ou o bem de ser gratuito naquilo que fazemos? É difícil dar sem esperar nada em troca, pergunto-me se alguma vez somos capazes de dar assim completamente. Quando fazemos o bem, esperamos pelo menos um gesto de reconhecimento. Sentimo-nos ofendidos ou magoados quando, numa atitude de boa vontade, fazemos algo que não teve nenhum resultado, a não ser indiferença.

Por isso, o que pode mover a gratuidade? Não quero dizer que a única gratuidade que interessa seja aquela que não se importa com o mau resultado da iniciativa. Mas há duas atitudes de fundo que podem fazer pensar na qualidade daquilo que damos:

A primeira é o gostar (amar) desinteressadamente. Fazemos o bem porque amamos aquele a quem fazemos esse bem, mesmo que não o reconheça. Não desistimos, dar é a nossa alegria. A segunda atitude é a alegria de dar. Quando a alegria de fazer o bem move as nossas acções, somos mais livres.

Mesmo que não sejamos completamente livres no dar, ter como fundo amor e alegria constrói-nos por dentro.

22 outubro 2009

Quando a consciência se ilumina

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Sugestão de pica

"Quando a luz se apaga é que a consciência se ilumina.
As almas são como os morcegos: vêem melhor às escuras."  
Guerra Junqueiro



O ponto de partida é esta frase. As imagens da luz e da escuridão fazem uma enorme ressonância em nós, vão além daquilo que podemos reflectir. É uma impressão instintiva, percebemos a luz em nós e nos outros, sem saber bem explicar porquê. Fascinam-nos as pessoas de olhar iluminado, e queremos a toda a força conhecer o seu segredo. Um olhar escuro faz-nos desviar o olhar, sem sabermos o que podemos fazer.

Quando nos sentimos iluminados, tudo nos corre bem, temos imensas ideias de coisas bonitas para afaer, crescemos na confiança e na ousadia. O mundo parece pequeno para os nossos desejos. Porém, quando a escuridão é o nosso ambiente, ficamos perdidos, desorientados, o mundo fecha-se até ficar do tamanho do nosso problema, um pequeno canto numa cave, sem grande capacidade para sair dali.

O que quer dizer que a consciência se ilumina quando a luz se apaga? Esta pergunta é um desafio e um confronto com o modo como lidamos com os nossos tempos e situações mais obscuras. Creio não estar errado, se propuser que são exactamente os momentos de escuridão onde encontramos a nossa verdade. Um dos nossos maiores medos é enfrentar a dúvida, a des-esperança e o facto de não nos sentirmos completos.

Querer viver sempre na luz é bom, na medida em que somos continuamente desafiados a alargar os nossos horizontes e a não ficarmos fechados em nós. Mas pode ser um risco, se formos ingénuos ao ponto de querer a toda a força ser iluminados sem aceitar as nossas sombras, e vivemos tantas vezes numa aparência, quando essa luz não passa de iluminação artificial, lâmpadas coloridas e neons publicitários que, no fim de contas, dizem pouco de nós. Fazemos parte do sistema, que evita todo o contacto com a realidade paradoxal da vida.

Nas alturas em que a escuridão é o nosso mundo, temos a oportunidade de partir do que somos: dúvida, incompreensão, fragilidade. A um certo momento da nossa Vida, o confronto com a escuridão é necessário e salutar, poder dizer com toda a simplicidade: "Também sou isto, mas isto não me impede de viver, antes pelo contrário".

A nossa consciência ilumina-se a partir de dentro, e tornamo-nos mais transparentes, olhamos para nós, ao mesmo tempo que uma luz de aceitação vai tornando os limites mais claros, até que percebamos que a fragilidade é a nosso fonte mais autêntica de força. Ser conscientes, não pelo pensamento, mas na intuição, no fundo, amarmos o nosso presente, seja como este for.



19 outubro 2009

Viver com paixão

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A paixão é violenta, arrebata, arrasta-nos para o que se ama. Nunca tive bem claro se isso é bom ou é mau. Quem está apaixonado normalmente é feliz. Talvez seja a falta de discernimento que faz tomar decisões precipitadas mas, em si mesmo, a paixão é algo positivo.

Paixão também implica sofrimento, vem de passio, em latim, sofrimento. E temos disso experiência, não vale a pena alongar-me nisto.

O que é interessante é que quem está apaixonado por alguém, não olha o outro como algo a possuir, é um dom, uma alegria e uma surpresa. Alargando o olhar, estar apaixonado pela Vida não é exigir dela as coisas que quero, como minha propriedade, mas sim aceitá-la como dom, alegria e surpresa.

Quando se possui o que se ama, perde-se o amor e a novidade. Quando queremos que a Vida seja o que nós queremos ficamos aquém da fronteira da novidade, as coisas entristecem-nos e perdemos a paixão. Viver com paixão é um dom enorme, e um desafio constante à entrega e à liberdade.

16 outubro 2009

As pessoas

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Hoje perdi algum tempo a ver o que há pela net e encontrei uma série de vídeos que são simplesmente filmagens a pessoas comuns, em várias cidades. Achei mesmo interessante a ideia de realçar o que vemos todos os dias, tantas pessoas em tantas situações. Fica aqui um exemplo e a proposta de fazer uma visita à Vida.






Já me tinha dado conta, quando não faço a asneira de andar a correr pela rua sem olhar à volta, que cada pessoa é uma história. Um tesouro... olhar alguém desconhecido nos olhos dá muito valor a quem olhamos... porque também somos olhados.


15 outubro 2009

Entrevista a um Tuareg

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Um companheiro jesuíta enviou esta entrevista a um tuareg. Está em espanhol, espero que não haja grandes problemas em perceber =). Vale a pena ler, para pormos em questão o modo como vivemos a nossa vida. Por vezes precisamos de um olhar de longe que nos faça cair na conta de como vivemos com tanta pressa e nos passa completamente ao lado aquilo que é mais importante... um olhar cheio de horizonte.




"TU TIENES EL RELOJ, YO TENGO EL TIEMPO"
entrevista realizada por VÍCTOR M. AMELA a: MOUSSA AG ASSARID

No sé mi edad: nací en el desierto del Sahara, sin papeles...!
Nací en un campamento nómada tuareg entre Tombuctú y Gao, al norte de Mali. He sido pastor de los camellos, cabras, corderos y vacas de mi padre. Hoy estudio Gestión en la Universidad Montpellier. Estoy soltero. Defiendo a los pastores tuareg. Soy musulmán, sin fanatismo

- ¡Qué turbante tan hermoso...!
- Es una fina tela de algodón: permite tapar la cara en el desierto cuando se levanta arena, y a la vez seguir viendo y respirando a su través.

- Es de un azul bellísimo...
- A los tuareg nos llamaban los hombres azules por esto: la tela destiñe algo y nuestra piel toma tintes azulados...

- ¿Cómo elaboran ese intenso azul añil?
- Con una planta llamada índigo, mezclada con otros pigmentos naturales. El azul, para los tuareg, es el color del mundo.

- ¿Por qué?
- Es el color dominante: el del cielo, el techo de nuestra casa.

- ¿Quiénes son los tuareg?
- Tuareg significa "abandonados", porque somos un viejo pueblo nómada del desierto, solitario, orgulloso: "Señores del Desierto", nos llaman. Nuestra etnia es la amazigh (bereber), y nuestro alfabeto, el tifinagh.

- ¿Cuántos son?
- Unos tres millones, y la mayoría todavía nómadas. Pero la población decrece... "¡Hace falta que un pueblo desaparezca para que sepamos que existía!", denunc iaba una vez un sabio: yo lucho por preservar este pueblo.

- ¿A qué se dedican?
- Pastoreamos rebaños de camellos, cabras, corderos, vacas y asnos en un reino de infinito y de silencio...

- ¿De verdad tan silencioso es el desierto?
- Si estás a solas en aquel silencio, oyes el latido de tu propio corazón. No hay mejor lugar para hallarse a uno mismo.

- ¿Qué recuerdos de su niñez en el desierto conserva con mayor nitidez?
- Me despierto con el sol. Ahí están las cabras de mi padre. Ellas nos dan leche y carne, nosotros las llevamos a donde hay agua y hierba... Así hizo mi bisabuelo, y mi abuelo, y mi padre... Y yo. ¡No había otra cosa en el mundo más que eso, y yo era muy feliz en él!


- ¿Sí? No parece muy estimulante. ..
- Mucho. A los siete años ya te dejan alejarte del campamento, para lo que te enseñan las cosas importantes: a olisquear el aire, escuchar, aguzar la vista, orientarte por el sol y las estrellas... Y a dejarte llevar por el camello, si te pierdes: te llevará a donde hay agua.

- Saber eso es valioso, sin duda...
- Allí todo es simple y profundo. Hay muy pocas cosas, ¡y cada una tiene enorme valor!

- Entonces este mundo y aquél son muy diferentes, ¿no?
- Allí, cada pequeña cosa proporciona felicidad. Cada roce es valioso. ¡Sentimos una enorme alegr a por el simple hecho de tocarnos, de estar juntos! Allí nadie sueña con llegar a ser, ¡porque cada uno ya es!

- ¿Qué es lo que más le chocó en su primer viaje a Europa?
- Vi correr a la gente por el aeropuerto.. . ¡En el desierto sólo se corre si viene una tormenta de arena! Me asusté, claro...

- Sólo iban a buscar las maletas, ja, ja...
- Sí, era eso. También vi carteles de chicas desnudas: ¿por qué esa falta de respeto hacia la mujer?, me pregunté... Después, en el hotel Ibis, vi el primer grifo de mi vida: vi correr el agua... y sentí ganas de llorar.

- Qué abundancia, qué derroche, ¿no?
- ¡Todos los días de mi vida habían consistido en buscar agua! Cuando veo las fuentes de adorno aquí y allá, aún sigo sintiendo dentro un dolor tan inmenso...

- ¿Tanto como eso?
- Sí. A principios de los 90 hubo una gran sequía, murieron los animales, caímos enfermos... Yo tendría unos doce años, y mi madre murió... ¡Ella lo era todo para mí! Me contaba historias y me enseñó a contarlas bien. Me enseñó a ser yo mismo.

- ¿Qué pasó con su familia?
- Convencí a mi padre de que me dejase ir a la escuela. Casi cada día yo caminaba quince kilómetros. Hasta que el maestro me dejó una cama para dormir, y una señora me daba de comer al pasar ante su casa... Entendí: mi madre estaba ayudándome...

- ¿De dónde salió esa pasión por la escuela?
- De que un par de años antes había pasado por el campamento el rally París-Dakar, y a una periodista se le cayó un libro de la mochila. Lo recogí y se lo di. Me lo regaló y me habló de aquel libro: El Principito. Y yo me prometí que un día sería capaz de leerlo...

- Y lo logró.
- Sí. Y así fue como logré una beca para estudiar en Francia.

- ¡Un tuareg en la universidad. ..!
- Ah, lo que más añoro aquí es la leche de camella... Y el fuego de leña. Y caminar descalzo sobre la arena cálida. Y las estrellas: allí las miramos cada noche, y cada estrella es distinta de otra, como es distinta cada cabra... Aquí, por la noche, miráis la tele.

- Sí... ¿Qué es lo que peor le parece de aquí?
- Tenéis de todo, pero no os basta. Os quejáis. ¡En Francia se pasan la vida quejándose! Os encadenáis de por vida a un banco, y hay ansia de poseer, frenesí, prisa... En el desierto no hay atascos, ¿y sabe por qué? ¡Porque allí nadie quiere adelantar a nadie!

- Reláteme un momento de felicidad intensa en su lejano desierto.
- Es cada día, dos horas antes de la puesta del sol: baja el calor, y el frío n o ha llegado, y hombres y animales regresan lentamente al campamento y sus perfiles se recortan en un cielo rosa, azul, rojo, amarillo, verde...

- Fascinante, desde luego...
- Es un momento mágico... Entramos todos en la tienda y hervimos té. Sentados, en silencio, escuchamos el hervor... La calma nos invade a todos: los latidos del corazón se acompasan al pot-pot del hervor...

- Qué paz...
- Aquí tenéis reloj, allí tenemos tiempo.



13 outubro 2009

Plenitude interior

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(sugestão de a)




É a grande questão da nossa Vida. Como podemos encontrar a plenitude no nosso interior? Os grandes temas existenciais não têm uma resposta óbvia, porque cada pessoa é uma história e um conjunto de circunstâncias. Acontecem-nos diariamente coisas que nos fazem repensar as nossas opções, momentos de confirmação e outros em que as nossas certezas mais profundas ficam abaladas.

A plenitude interior é uma questão de integração e unificação de todas as dimensões da nossa Vida. Corremos o risco de dividirmos a existência em vários sectores. O que mais nos desgasta é verificarmos que há campos na nossa Vida onde conseguimos fazer progressos e outros que parece que não saímos do mesmo. Ao mesmo tempo, vivemos muito dependentes dos factores externos, ou seja, o que acontece fora de nós, o que pensam e dizem de nós condiciona-nos de tal maneira que fazemos determinadas opções só porque é suposto, ou porque todos fazem assim, ou porque não faço mal a ninguém se fizer determinada coisa.

O grande segredo está em encontrarmos um espaço de verdade que seja o início e o fim da nossa existência. Estou plenamente convencido que as coisas mais importantes da vida se resumem a muito pouco. É uma espécie de luz interior que ilumina tudo, que faz olhar para tudo o que sou e o que me acontece com o olhar correcto. Chega uma altura em que percebemos na nossa Vida que o essencial é uma palavra só nossa, algo que não nos pode ser tirado e que nos desafia constantemente.

Não há experiência mais profunda no ser humano do que aquela de ser amado. Só o sentir-se amado transforma, faz perdoar-me a mim mesmo, aceitar o que sou, querer ser o que sou. As comparações e as utopias fazem-nos, muitas vezes, olhar na direcção errada. Se o desejo comanda a Vida, então que esse desejo seja movido pelo amor a mim mesmo, com uma transparência e simplicidade que me faça dizer sem complexos: esta é a minha perfeição. Uma conquista de todos os dias, mas esta é a minha conquista.

O amor a si mesmo é tudo menos egoísta, porque é uma visão realista das próprias falhas, mas sobretudo um olhar simples e humilde sobre aquilo que sou. A humildade é reconhecer a nossa bondade e ficarmos extremamente felizes por isso. Mais uma vez, encontra-se no fundo desta dinâmica o amor, e o sentir-se amado.

Para quem acredita, é um passo fundamental dar este salto: acreditar que Deus me ama sempre, acredita sempre em mim, não desiste. Ter alguém que sempre apoia o meu desejo de perfeição é a base de todo o movimento em direcção à plenitude.

Sentindo-se amado, e reconhecido como se é, torna a pessoa mais autêntica no modo de estar perante o mundo e os outros. Move-a o desejo de simplesmente ser, fazer crescer o bem, ser radicalmente optimista, porque nada está perdido, mesmo que o pareça. Deste modo, aquele que é amado ama como a expressão mais própria da Vida. Tudo o que sente e faz se confronta com o desejo que a Vida e os outros se sintam amados como eu me sinto amado.

Por ser tão simpels este caminho, é difícil percorrê-lo, porque pensamos que as coisas importantes precisam de enciclopédias para serem explicadas. Quando pensamos e classificamos demasiado, estamos a estragar tudo. Como quando amamos alguém, não o conseguimos explicar, simplesmente é assim.

Quando vivemos em plenitude, tudo é uma oportunidade grande, desejamos afastar as coisas menos boas de nós, e desejamos só que tudo seja bonito... é o único caminho que verdadeiramente interessa.


12 outubro 2009

Tesouros

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Existe uma palavra italiana que não consigo traduzir bem em português: custodire. Poderia ser guardar com cuidado, mas significa algo mais. Há coisas que guardamos como um armazém, sejam coisas materiais, sejam as nossas memórias. E há outras coisas que guardamos com sentimento, fazem parte de nós, quer coisas materiais, quer as nossas memórias.

Normalmente, aquilo que guardo (custodisco) são objectos sem valor, que cabem no bolso. Aquilo que é verdadeiramente importante, vai connosco para todo o lado, não ocupa espaço, mas significa uma parte muito importante da Vida. O que importa não pesa, nem atrapalha.

As memórias que guardo (custodisco) são poucos momentos em que pude dizer: Aqui está, é isto que quero ser, é isto que significa verdadeiramente, é isto que Tu és para mim. Não são necessárias enciclopédias de definições que expliquem os nossos passos maiores. Simplesmente acontecem.

Tesouros que têm valor por si mesmos, não pelo que se pode classificar exteriormente. Fazem parte de nós, somos nós.


08 outubro 2009

Mudar o coração

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Esta noite passei por uma zona mais fora do centro da cidade, por detrás da estação principal dos comboios. Não sabia que ali se encontrava a cantina da Caritas e viam-se muitas pessoas por lá. O que mais me impressionou foi a quantidade de gente a dormir, na rua, por todos os lados. É uma realidade que o centro histórico não mostra.

E dei agora por mim a pensar na impossibilidade de fazer algo, de me perguntar o que fazer para mudar estas situações, para além de ajudas pontuais. É sempre pouco. Percebo que vivemos num mundo com uma injustiça estrutural. O que posso fazer?

Na nossa vida podemos ser continuamente desafiados a construir justiça à nossa volta, vivendo relações de verdade, sem explorar o outro, sem estar acima de ninguém, no fundo, estando mais disposto a acolher e servir do que a dominar. Não se mudam estruturas sem antes mudar o próprio coração. Ao sermos mais justos, então estamos a fazer algo, a ser exemplo, a mostrar que há alternativas. Uma gota no oceano, mas que é a nossa parte mais autêntica.

07 outubro 2009

Re-conhecido

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Encontrei-me finalmente num lugar onde não valia a pena encontrar desculpas nem procurar justificações. Toda a liberdade tem um preço difícil de verdade. Mais tarde ou mais cedo, somos levados a admitir aquilo que somos, a assumir o que fizemos. Creio que nunca ninguém será capaz de exigir tanto de nós como a nossa própria consciência.

E a verdade é que somos hábeis a mentir a nós mesmos. Reconhecer isso é difícil. Mas quando se reconhece o que somos, temos duas opções. Ou nos entristecemos, ou viramos página.

Uma experiência de verdade tem também cores de perdão e optimismo, se não fosse assim, não ganharíamos muito em nos re-conhecermos como somos. Seria acrescentar dor à mágoa ou fazer chover no molhado. Pelo contrário, aceitarmo-nos é acreditar numa promessa melhor. Que somos nós, que é a nossa Vida.


05 outubro 2009

Estar disposto

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Qual é a distância que temos de percorrer entre o querer e o fazer? A nossa vontade encerra um mundo de possibilidades, como se fossem promessas diárias que fazem com que cada dia seja mais verdadeiro e mais nosso.

Fazer aquilo que queremos fica por vezes bastante longe de coincidir. E à medida que passa o tempo sem vermos resultados concretos dos nossos desejos acabamos por desanimar, até desistir. Muitas vezes, penso que desejamos muito coisas impossíveis e desejamos pouco coisas possíveis. Vivemos neste equilíbrio entre dar passos de gigante ou passos mais pequenos. E, ao mesmo tempo, vivemos este equilíbrio de dar passos novos, ou não dar nenhum passo.

As nossas acções terão de ser motivadas pela nossa disposição interior para as levar a cabo. Quando verdadeiramente queremos estar dispostos a algo que faça cumprir a nossa Bondade no mundo, então a criatividade sai-nos das nossas mãos e do nosso olhar. É um nascer cada dia em profundidade e desejar ser, e deixar acontecer.


04 outubro 2009

Mais uma secção

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Inaugurei hoje mais uma secção do Blog. No separador de cima, pus mais um link para as reflexões que cada Domingo, ou dias importantes, faço a partir das leituras.

Pode ser uma ajuda para quem quiser viver melhor a liturgia do Domingo. A ideia é nos dias anteriores, na sexta-feira ou no sábado, colocar lá a reflexão.

Bom proveito! =)


Generosidade

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Um dos desafios que constantemente nos bate à porta do coração é o modo como olhamos aquilo que temos que fazer. Quando começam as rotinas, fica difícil encontrar alguma frescura em paisagens conhecidas. No meio do ruído do dia-a-dia é possível passar por todas as coisas como se nada nos tocasse.

Um exemplo disso são os desertos das grandes cidades, onde todos somos anónimos, onde nos sentimos a fazer parte de estruturas que não pensam em nós e naquilo que nos move. Podemos viver um dia sendo e fazendo aquilo que é suposto, sem nada de original.

E depois, cansamo-nos, a vida já não nos preenche. O grande desafio é mantermos sempre o coração aberto e disponível para acolher tudo, mesmo que sejam coisas iguais. Existe uma generosidade em cada um de nós que nos permite levar a Vida para além das fronteiras do conhecido e criarmos espaços originais onde somos cada vez mais completos. Isto pode tocar tantos aspectos da nossa vida, como o empenho nos estudos, a qualidade das nossas conversas, a atenção aos outros.

Uma das nossas marcas de bondade mais autêntica é a generosidade, de darmos o melhor em tudo, todos os dias.

01 outubro 2009

Regresso

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Depois de uma longa paragem, e agora que estou de regresso a Roma, o Cidade Eterna recomeça com a sua regularidade. Sinceramente, é um espaço que me faz falta. Temos projectos na nossa Vida que acabam por fazer parte de nós, como os espaços onde encontramos algo que só ali nos pode ser dado.

A palavra que soa mais ultimamente é o viver. Viver é imenso. É uma surpresa diária e uma conquista dirigida ao inesperado. Cada dia encontra uma luz diferente, onde somos desafiados a ser transparentes, irradiar algo positivo, marcar o dia com um selo da eternidade que somos.

Quando vivemos movidos pelo desejo, e este é marcado pela entrega livre, conseguimos espalhar algo muito maior que nós mesmos. Vivemos entre o que somos para nós e o que somos para os outros. A nossa verdade é sermos o tudo conhecido e ao mesmo tempo o tudo surpreendente. Na surpresa que somos no mundo, construímos uma paisagem que acolhe tudo, e que transforma tudo.


 

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